"'Esperando pelo Super-Homem'': o filme que divide os EUA
07/10/2010 23:31O filme dirigido por Davis Guggenheim sobre o sistema educacional dos EUA causa polêmica. No centro, a implacável e absurda loteria para ter acesso à educação de qualidade. Só os extrarricos podem se permitir boas escolas. Uma acusação contra as escolas elementares, médias e superiores, nos últimos lugares nas classificações dos países industrializados.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 04-10-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Papai, a loteria não é aquela coisa em que quase ninguém vence?". Daisy tem 12 anos, vive em Los Angeles, a sua pergunta é angustiante. Uma menina não pode entender que a matrícula em uma escola é uma verdadeira loteria em que quase todos perdem.
Ela também perde, no final. A cena do sorteio, a absurda loteria da esperança, inicia e encerra o documentário "Waiting for Superman". Um filme-verdade sobre a ruína do sistema escolar da nação mais rica do planeta. Uma terrível acusação que está dilacerando os EUA: elogiado por Barack Obama na TV, criticado por muitos comentaristas liberais, incluindo o New York Times.
Seu realizador é Davis Guggenheim, o diretor de "Uma verdade inconveniente", que, em 2006, obrigou os EUA a se perguntarem sobre as mudanças climáticas, venceu dois Oscar e valeu o Nobel a Al Gore. E mais uma vez ele está no centro: o Washington Post prevê que "esse filme terá um impacto pelo menos igual ao documentário sobre o meio ambiente. A poucos dias da estreia, já está claro que estará no centro do debate nacional por pelo menos dois anos".
A maioria das escolas estatais dos EUA são fábricas de analfabetos, os resultados em termos de aprendizagem são desastrosos e muito previsíveis, visto que se repetem de ano a ano. Os dados podem parecer incríveis para quem ainda tem uma certa imagem dos EUA. O filme os repete sem piedade, recorrendo a cartões animados para associar números e imagens: "Entre os 30 países mais desenvolvidos, os EUA figuram no 25º lugar no aprendizado escolar de matemática e no 21º nas ciências. Cerca de 69% dos seus alunos do terceiro ano do Ensino Médio não sabem ler e escrever de modo adequado. Cerca de 68% são insuficientes em matemática. Na Califórnia (isto é, o Estado mais rico dos EUA), 20% dos estudantes escolares abandonam a escola sem nem obter o diploma do Ensino Médio. O percentual de abandono escolar antes do Ensino Médio chega a 26% entre os hispânicos e a 35% entre os negros".
Roleta russa
Só os extrarricos têm uma via de fuga nas escolas privadas de elite: tão caras (até 30 mil dólares de mensalidade anual) que chegam a ser inacessíveis até para a classe média-alta. A outra esperança é matricular os filhos em uma das raras escolas públicas de qualidade, de resultados acadêmicos comprovados ao longo dos anos. Há quem se mude de propósito, assumindo o custo de aquisição de uma casa nova, para morar em um bairro "célebre", que tenha uma boa escola estatal. Mas esses institutos são raros e repletos de pedidos de matrícula.
Eis onde começa a loteria. Em busca de um critério justo e imparcial, as boas escolas são obrigadas a sortear os nomes dos poucos privilegiados. Menos de 10% terá êxito.
Uma terrível roleta russa, que "Waiting for Superman" descreve minuto por minuto, acompanhando as histórias de cinco crianças de Nova York, Washington, Los Angeles. Os excluídos acabarão condenados a um beco sem saída, em um sistema de série B, em que se acumulam lacunas, notas baixas, atrasos no conhecimento. No momento do ingresso na universidade – alimentam essa aspiração –, serão descartados pelas severas eliminatórias de número fechado.
"Se você perder a ocasião certa, já está condenado aos seis anos de idade, será um fracassado para sempre", é uma das ferozes constatações do filme. Em uma outra cena angustiante, um negro que hoje tornou-se um dos reformadores do sistema escolar passa na frente de uma grande prisão e comenta: "A maior parte dos meus colegas de escola acabaram lá dentro. É uma solução cara: o contribuinte paga até 30 mil dólares por ano por cada encarcerado. Se ele tivesse tido uma escola decente, os EUA gastariam menos".
A realidade retratada em "Waiting for Superman" não se refere só às minorias étnicas e aos pobres. Bem pelo contrário. Uma das meninas, das quais o filme acompanha a história, pertence a uma família rica do Silicon Valley californiano. Ela também está obrigada à loteria para fugir da "escola designada" e decadente do seu bairro. "A maioria dos nossos jovens tem um destino marcado pelo código postal", é o comentário amargo: de acordo com o seu lugar de residência, cabe-lhe uma certa escola estatal.
Problema histórico
Como é possível que os EUA tenham caído tão lá embaixo? O primeiro sinal de alarme do declínio da sua escola pública remonta a 1955. O best-seller "Why Johnny Can't Read" (Por que Johnny não sabe ler) denunciou a condição de "um menino de 12 anos exposto aos efeitos de uma escola normal norte-americana".
Desde então, cada presidente tentou alguma reforma, e o documentário usa imagens de arquivo para lembrar as promessas fracassadas de Nixon, Carter, Reagan, Clinton. Até o ponto em que os norte-americanos parecem estar, verdadeiramente, "esperando pelo Super-Homem", para que ele resolva essa crise, cujos efeitos foram mascarados durante muito tempo pela excelência das grandes universidades.
Principalmente nos estudos de pós-graduação, as universidades dos EUA continuam sendo as melhores do mundo, e isso lhes permite atrair os cérebros asiáticos e europeus.
"Até 2020 – adverte o filme –, a economia norte-americana deverá preencher 123 milhões de postos de trabalho de alta qualificação. Mas haverá 50 milhões de norte-americanos a menos com a instrução adequada". Até agora essa diferença foi preenchida importando analistas de sistemas indianos, engenheiros chineses, médicos vietnamitas ou italianos. Quanto isso pode durar? E que fim terão "os descartados" que não têm a formação justa? Que função social tem um sistema escola em que, "se você entra no primeiro ano fundamental com dificuldades de ler, tem quase a certeza de conservar esse atraso durante toda a sua carreira escolar"?.
No documentário de Guggenheim, existem heróis positivos. Geoffrey Canada é o professor negro que criou a Harlem Children Zone para oferecer escolas de excelência no bairro historicamente degradado de Nova York. Michelle Rhee é a superintendente das escolas de Washington, que ousa desafiar o poderoso sindicato dos professores para introduzir os aumentos de mérito e o licenciamento dos professores mais incapazes ou faltantes. Rhee é de origem chinesa, e os sistemas asiáticos são o "chicote" para fazer com que os EUA redespertem do seu torpor.
Lá onde o Estado não o faz, os filantropos privados intervêm: o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, segue o exemplo de Bill Gates e doa 100 milhões às escolas degradadas de Nova Jersey. Mas a mensagem do filme é dolorosa, controversa. O New York Times denuncia "a fúria contra os professores". O prefeito de Washington foi derrotado, e Michelle Rhee perderá o seu posto, apesar do apoio pessoal de Obama que, com o seu programa "Race to the Top", introduziu mais flexibilidade e meritocracia no sistema estatal.
"A classe média norte-americana – observa a especialista em pedagogia Judith Warner – não gosta de ouvir dizer que está mandando os seus filhos para uma escola do Terceiro Mundo". É uma outra verdade inconveniente que muitos preferem ignorar. Melhor esperar pelo Super-Homem.
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